O valor do feito à mão em tempos de inteligência artificial 

Durante anos, o design, a moda e a arquitetura caminharam em direção a uma ideia de perfeição baseada em linhas retas, superfícies limpas e ambientes neutros. Esse imaginário, impulsionado pelo minimalismo e pela produção em escala, dominou vitrines, catálogos e redes sociais. Hoje, porém, começa a dar sinais claros de desgaste. 

A consolidação da inteligência artificial no campo criativo acelerou esse processo. Nunca foi tão simples gerar imagens, estampas e objetos visualmente atraentes. A estética se tornou abundante, replicável e, em muitos casos, indiferenciada. Quando tudo pode ser criado em segundos, o impacto visual deixa de ser diferencial. É nesse cenário que o feito à mão retorna não como tendência, mas como resposta cultural e estratégica. 

Após vivenciar a edição de 2025 da Maison & Objet, Marília Fragoso, diretora executiva da Koord, percebeu esse movimento com clareza. Para ela, o contraste entre o humano e o que é gerado por máquina está reacendendo o desejo pelo artesanal. “Depois de viver a Maison & Objet este ano, ficou claríssimo pra mim: o choque entre o que é humano e o que é gerado por máquina está reacendendo o desejo pelo feito à mão. Estamos reaprendendo a ver valor no imperfeito, no que tem textura, no que tem história, no que tem tempo”, afirma. 

Esse novo olhar não se baseia em nostalgia vazia, mas em mudança de valor. Em um mercado onde a tecnologia resolve eficiência, o que passa a importar é aquilo que não pode ser automatizado: o tempo, a variação, a matéria e a autoria. O imperfeito deixa de ser defeito e passa a ser sinal de presença humana. 

Ao mesmo tempo, cresce a busca por objetos capazes de criar vínculo emocional. Millennials e parte da geração Z, em fase de consolidação de identidade e formação de lares, recorrem a referências afetivas como forma de equilíbrio em um mundo acelerado. Isso ajuda a explicar o retorno de estéticas ligadas à memória, à mistura de referências e ao maximalismo contemporâneo. 

Segundo Marília, esse movimento também reflete uma rejeição crescente ao excesso de neutralidade. “As pessoas estão saturadas do branco, do reto, do ‘parece showroom’. Estamos voltando para a estética da avó, da memória, do maximalismo, da coragem, da personalidade”, diz. 

Nesse contexto, o feito à mão ganha força por permitir personalização real e histórias únicas. Em um cenário em que a inteligência artificial democratiza a criação estética, a exclusividade deixa de estar na imagem final e passa a residir no processo. O tempo, o gesto humano e a imperfeição se transformam em valor simbólico. 

Quando tudo pode ser gerado instantaneamente, aquilo que leva tempo passa a valer mais. E é justamente nesse espaço que o feito à mão se afirma como linguagem contemporânea e estratégia de futuro.